STJ vai decidir se é possível manipular a pauta por meio de desistência do recurso

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça terá a oportunidade de se debruçar sobre a possibilidade de as partes de um recurso desistirem dele até mesmo quando esse processo já estiver pautado e pronto para formação de precedente. O tema foi afetado ao colegiado nesta terça-feira (11/4), pela 3ª Turma do STJ.

Essa conduta representa a manipulação da pauta de julgamento do tribunal. Os recorrentes acionam o STJ e, conforme o sabor da tramitação na corte, pedem desistência do julgamento, evitando um pronunciamento que pode reverberar em outros casos e nas instâncias ordinárias.

A desistência do recurso é expressamente admitida no Código de Processo Civil. O artigo 998 fixa que “o recorrente poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do recurso”.

Nem sempre, porém, o STJ autoriza que essa prerrogativa seja exercida. A própria 3ª Turma negou o pedido de desistência em caso julgado em 2018 que tratava de fornecimento de remédio off label (para usos não previstos na bula) por planos de saúde, que até então estavam entre os grandes litigantes da 2ª Seção do STJ.

Em casos mais recentes, por outro lado, o colegiado teve posição oposta, inclusive julgando recurso contra decisão de tribunal de segundo grau que não admitiu a desistência. A ideia é que considerar que um caso deve ser julgado porque há questões de interesse coletivo equivaleria a criar uma nova espécie de “remessa necessária” fora das hipóteses existentes no CPC.

Interpretação pós-relevância
A ação enviada à Corte Especial discute o uso indevido de marcas registradas como palavras-chave para links patrocinados no Google. O tema é bastante controverso no Judiciário e não tem precedente na 3ª Turma — a 4ª Turma julgou caso análogo recentemente e considerou a conduta concorrência desleal.

No caso, o MercadoPago.com usou termos registrados pela PagSeguros como palavras-chave de pesquisas de produtos do mesmo seguimento de mercado. O recurso ataca o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que considerou a prática ilícita por gerar confusão nos consumidores.

O caso já estava pautado, com memoriais entregues, e tinha três pedidos de sustentação oral quando as partes recorrentes pediram a desistência. O relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, contestou o pedido, especialmente diante da promulgação da Emenda Constitucional 125/2022, que criou o filtro da relevância para o julgamento de recursos no STJ.

“A pergunta é se, depois da Emenda 125, à luz do processo civil constitucional, não é o caso de fazermos uma leitura de dispositivo do CPC no sentido de que todo e qualquer processo julgado tem transcendência — ou seja, é relevante e, portanto, destinado a formar precedente — e não pode ficar sujeito ao talante das parte e à manipulação de resultados, como tem acontecido em inúmeras circunstâncias.”

A ministra Nancy Andrighi concordou veementemente com a não homologação da desistência. O ministro Marco Aurélio Bellizze, por sua vez, argumentou que há precedentes recentes em que se decidiu que desistir é prerrogativa das partes, mesmo que não seja bem-vinda.

“A parte ainda dispõe desse direito por força de ausência de lei que impeça. Penso até que devêssemos atuar para que viesse uma lei que estabelecesse essa restrição”, disse ele. “É uma matéria fundamental, básica para todos nós. Se fôssemos deliberar diferente, eu sugeriria uma afetação à Corte Especial.” Todos concordaram.

REsp 2.024.450

FONTE CONJUR

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