Inversão do ônus da prova em favor do paciente nos casos de cirurgia estética

Vem sendo constantemente debatida a responsabilidade civil dos profissionais da medicina, tanto no campo do Direito Civil quanto no âmbito do Direito do Consumidor.

Ruy Rosado de Aguiar Junior define, as características de uma obrigação meio:

“A obrigação é de meios quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu título, com os recursos de que dispõe e com o desenvolvimento atual da ciência, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado.O médico, normalmente, assume uma obrigação de meios”.1O mesmo autor dispõe acerca da obrigação de resultado:

A obrigação será de resultado quando o devedor se comprometer a realizar um acerto fim, como por exemplo, transportar uma carga de um lugar a outro, ou consertar e pôr em funcionamento uma certa máquina (será de garantia se, além disso, ainda afirmar que o maquinário atingirá uma determinada produtividade). O médico a assume, por exemplo, quando se compromete a efetuar uma transfusão de sangue, ou a realizar certa visita”.2

A obrigação assumida pelo profissional da medicina é, em geral, uma obrigação de meio, assumindo o médico a obrigação de empregar sua melhor técnica, com cuidado e atenção, buscando proporcionar ao paciente o melhor resultado possível. Na obrigação de meio, tem-se como objeto do contrato a atividade do devedor.

Porém, em caso de cirurgias plásticas de efeitos meramente estéticos, tanto doutrina como jurisprudências tem entendido se tratar de uma obrigação de resultado. Nesta, o objeto do contrato é o próprio resultado, obrigando-se o devedor a um fim específico. O médico se propõe a alcançar um determinado resultado, comprometendo-se, portanto, com este.

A responsabilidade pelos danos ocasionados em intervenções estéticas, por se tratarem de procedimentos médicos nos quais o paciente visa tão somente um resultado em razão de sua vaidade, sendo o trabalho do médico, portanto, destinado a este fim específico de “embelezamento”, são vistas com muito mais rigor pelos tribunais do que os demais procedimentos médicos.

A súmula 387 do STJ dispõe que “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.

Se é lícita a cumulação, constata-se que podem se configurar no mesmo evento e que se tratam de danos diversos.

Carlos Alberto Bittar ensina que danos morais são:

Lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, são aqueles que atingem a moralidade e a afetividade da pessoa, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, enfim, sentimentos e sensações negativas, contrapõem-se aos danos denominados materiais, que são prejuízos suportados no âmbito patrimonial do lesado. Mas podem ambos conviver, em determinadas situações, sempre que os atos agressivos alcançam a esfera geral da vítima, como, dentre outros, nos casos de morte de parente próximo em acidente, ataque à honra alheia pela imprensa, violação à imagem em publicidade, reprodução indevida de obra intelectual alheia em atividade de fim econômico, e assim por diante”.3

Maria Helena Diniz assim conceitua o Dano Estético:

“O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgastante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa. P. ex.: mutilações (ausência de membros – orelhas, nariz, braços ou pernas etc.); cicatrizes, mesmo acobertáveis pela barba ou cabeleira ou pela maquilagem; perda de cabelos, das sobrancelhas, dos cílios, dos dentes, da voz, dos olhos (RJTJSP, 39:75); feridas nauseabundas ou repulsivas etc., em consequência do evento lesivo”.4

Portanto, o dano estético agride a pessoa em sua autoestima, fere a imagem que o próprio indivíduo tem de si mesmo.

Desta forma, quando passíveis de aferição em separado, poderão se cumular na mesma ação os danos morais e estéticos, possuindo autonomia, inclusive, quanto aos valores arbitrados.

Os danos causados em cirurgias estéticas podem ser de duas formas: deixar de atingir o resultado esperado ou causar um agravamento ou lesão estética no paciente.

Portanto, o profissional deverá se responsabilizar tanto pelo dano moral ocasionado ao paciente, quanto pelo dano estético, se coexistirem, tendo em vista que se tratam de diferentes espécies de indenizações.

A possibilidade de inversão do ônus da prova é uma importante análise a ser feita, tendo em vista que, em geral, a culpa do médico é de difícil comprovação pelo paciente.

Nossa doutrina e a jurisprudência estabelecem que a atividade médica é regida pela responsabilidade subjetiva, conforme disposições do Código Civil (artigo 159) e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 14, parágrafo 4º).

O parágrafo 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor assim dispõe:

“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante verificação de culpa.”

Desta forma, não há que se falar em responsabilidade objetiva do médico, mas tão somente subjetiva, mesmo tratando-se de cirurgias estéticas. O que aqui se discute é a inversão do ônus da prova, que se dá em razão da presunção de culpa, cabendo ao demandado comprovar o contrário.

Rui Stoco, afirma que “tanto na obrigação de meios como na de resultado impõe-se a existência de culpa (lato sensu). Na obrigação de meios, o credor deverá provar a conduta lícita do obrigado, isto é, que o devedor não agiu com atenção, diligência e cuidados adequados na execução do contrato. Na de resultado, presume-se que a sua não obtenção decorreu de atuação inadequada ou culposa do contratado”.5

O mesmo autor dispõe ainda que “em ambas a responsabilidade do profissional está escorada na culpa, ou seja, na atividade de meios culpa-se o agente pelo erro de percurso, mas não pelo resultado, pelo qual não se responsabilizou, Na atividade de resultado culpa-se pelo erro de percurso e também pela não obtenção do resultado, porque este era o fim colimado e avençado, a meta optata. No primeiro caso (obrigação de meio) cabe ao contratante ou credor demonstrar a culpa do contratado ou devedor. No segundo (obrigação de resultado) presume-se a culpa do contratado, invertendo-se o ônus da prova, pelas simples razão de que os contratos em que o objeto colimado encerra um resultado, a sua não obtenção é quantum satis para empenhar, pro presunção, a responsabilidade do devedor”.6

Uma vez anteriormente concluído que a doutrina e jurisprudências dominantes enxergam a cirurgia plástica com finalidades meramente estéticas como uma obrigação tipicamente de resultado, tem-se que deve ser, de plano, invertido o ônus da prova, o que gera ao médico a obrigação de comprovar que não agiu com culpa.

Desta forma, não atingido o resultado proposto, presume-se que o demandado agiu com culpa. Com a presunção da culpa, inverte-se o ônus da prova, devendo o demandado comprovar o contrário do que lhe é imputado.

A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, em geral, não se trata de uma inversão “automática”. Deverá a parte autora apresentar alegações verossímeis e/ou for hipossuficiente.

Ao que nos parece, entretanto, quando se tratar de demanda que envolva a responsabilidade do médico por danos ocasionados em cirurgias estéticas, esta inversão será automática, passando a ser, portanto, dever do médico, provar que não agiu com culpa.

Entretanto, o médico poderá comprovar nos autos que não agiu com negligência, imperícia ou imprudência, que não houve dano e que não causou o dano, eximindo-se, então, da responsabilidade.

Desta forma, não foi transformada a sua responsabilidade em objetiva, permaneceu sendo subjetiva, cabendo, entretanto, a ele comprovar que não agiu com culpa ou dolo.

Alguns médicos cirurgiões plásticos incluíram como cláusula em seus contratos de prestação de serviços a isenção de responsabilidade caso não seja atingido o resultado aguardado pelo paciente, afirmando tratar-se a medicina de uma ciência inexata.

Porém, por óbvio, em análise processual, tais cláusulas serão consideradas abusivas, mantendo-se a inversão do ônus da prova e a responsabilidade civil do médico em cirurgias meramente estéticas (obrigações de resultado), aplicando-se a nulidade prevista no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor:

“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.”

Podemos concluir, portanto, que a responsabilidade médica é sempre subjetiva, mesmo que se trate de cirurgia puramente estética.

Porém, a cirurgia puramente estética será caracterizada como uma obrigação de resultado, já que nesta o cirurgião promete ao paciente o alcance de um fim específico.

Desta forma, em demandas que envolvam cirurgias estéticas, será invertido o ônus da prova, cabendo, ao médico, comprovar que não agiu com culpa.

Caso o médico não consiga excluir sua culpabilidade, caberá ao juízo auferir o dano moral e/ou estético ocasionado ao paciente/consumidor para que seja estabelecido justo valor, podendo se cumularem estas indenizações.

Para que o médico se resguarde de um futuro processo judicial, deve documentar o antes, o resultado prometido e esperado e o depois, tendo em vista que, com a inversão do ônus da prova, caberá a ele comprovar a ausência de culpabilidade.

 

1AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Revista dos Tribunais, Vol. 718. 1995. p. 35

2AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Revista dos Tribunais, Vol. 718. 1995.p. 35

3BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais.Revista dos Advogados, n. 44, 1994. P. 24

4DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro.10. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v. 7. p. 61-63

5STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Doutrina e Jurisprudência. 8ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P.548

6STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Doutrina e Jurisprudência. 8ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P. 548/549

 

Janaína Martins da Costa Barbosa
OAB/PR 64.485

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