Custo de Produção para efeitos de Crédito do ICMS

Introdução:
Tem sido procedimento normal do Fisco glosar créditos de ICMS em razão da aplicação de um conceito mais estrito de custo de produção. Há possibilidade de aproveitamento de crédito do ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, Transportes e Comunicação, quando com relação aos gastos considerados custos de produção ou da mercadoria.

No entanto, há divergência no entendimento da autoridade fazendária com relação aos custos de produção no sentido de adotar um conceito de abrangência mais restrita, tendo por conseqüência a atuação do crédito do ICMS sobre a diferença que apresenta a base de cálculo do imposto, pelo fato do Contribuinte aplicar um conceito diverso e mais abrangente de custo de produção.

Análise de Caso:
Pesa contra a empresa a acusação de ter transferido mercadorias de suas unidades produtoras em outros Estados da Federação para sua unidade industrial, por valores de transferência superiores ao custo de produção.

A empresa foi autuada pela Fazenda por ter aproveitado créditos de ICMS relativos a despesas de aquisição energia, embalagens, frete, etc.

A questão toda está centrada no conceito de CUSTO DE PRODUÇÃO e a interpretação do Art. 13, § 4º, inciso II, da Lei Complementar 87/96 e mais especificamente as questões do material de embalagem, energia elétrica e frete.

Lei Complementar 87/96:
Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
§ 4º Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é:
………………………………………..
II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do CUSTO da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento;

Assim, foram glosados pelos agentes fiscais os valores referentes a frete, energia, depreciação, manutenção e outros gastos fixos, ou seja, os agentes fiscais consideraram que, por não se tratar de matéria-prima, material secundário, embalagem ou mão-de-obra estes gastos não poderiam fazer parte da base de cálculo para transferência das mercadorias.

A polêmica sobre o conceito de custo de produção reside no fato de que a compreensão do contribuinte sobre este instituto decorre do conceito econômico, tendo em vista que tal conceito provém da Ciência Econômica.
O CUSTO DE PRODUÇÃO é o somatório dos custos fixos e variáveis que envolvem o processo produtivo.
Mas qual conceito é o correto?
Custo de produção é um instituto de Economia e deve ser respeitado sob pena de insegurança jurídica.
Observe-se que a arrecadação não é interesse público primário do Estado (obras, serviços à comunidade, etc), mas sim, interesse público secundário (atividade meio para a satisfação do interesse público primário). No entanto, o legislador tributário desvirtua este fato editando normas que manipulam conceitos de institutos que pertencem à outras ciências para arrecadar mais.
A esse passo é importante destacar que o Art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN), estabelece que os conceitos de direito privado não podem ser alterados pelo direito público e, consequentemente, a legislação tributária não pode modificar conceitos privados para adaptá-los à legislação tributária, especialmente como o objetivo de aumentar a arrecadação e mitigar direitos do contribuinte:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Por analogia, se conceitos observados pelas Constituições Federal, Estadual e Municipal não podem ser manipuladas, quanto mais conceitos consagrados a institutos de outras ciências.

O custo de produção é conceito decorrente da ciência econômica sendo vedada, pelo princípio da segurança jurídica e por analogia ao Art. 110 do CTN, a alteração de seu conceito pela legislação tributária.

E o que é custo de produção para a ciência econômica?

Para Marco Antonio S. Vasconcellos e Manuel Garcia (in Fundamentos de Economia, 2002, p.65), “e o total de produção como total das despesas realizadas pela firma com a utilização da combinação mais econômica dos fatores, por meio da qual é obtida uma determinada quantidade do produto”.

Estes Autores acrescentam que os custos de produção fixos correspondem aos custos indiretos na contabilidade empresarial enquanto que os custos de produção variáveis, correspondem aos custos diretos na contabilidade empresarial (p. 65, obra citada).

Ainda, os economistas Caros Roberto Martins Passos e Otto Nogami (in, Princípios de Economia, 2000, p. 169-170): “os custos de produção também podem ser divididos em fixos e variáveis”. O autor explica que são custos fixos, certos tipos de impostos, pagamentos de juros, seguros, custos de conservação, depreciação, etc. Já os custos de produção variáveis são aqueles ligados diretamente com a utilização dos fatores de produção e por isto, variam de acordo com o volume de produção. São as despesas com matéria-prima, energia elétrica, mão-de-obra etc.

 

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E O CONCEITO DE CUSTO DE PROCUÇÃO

A matéria-prima é usualmente proveniente da natureza (minério, madeira, etc.), mas pode também ser produto já industrializado, como aço em chapas, lingotes etc. No caso em exame, o exemplo das rações para fase seguinte de engorda dos animais.

Já o material secundário integra o produto ou é consumido na produção, porém falta-lhe os atributos de “principal” e “essencial”. (Consulta n. 11/07 – SEFA de Santa Catarina).

Portanto, a matéria-prima foi devidamente enquadrada como produto acabado para a fase seguinte, bem como a embalagem está corretamente indicada como material secundário, pela Impugnante. O material ou bem secundário é diverso do produto intermediário.

O Supremo Tribunal Federal tem entendido como produtos intermediários aqueles que “se consomem ou se inutilizam no processo de fabricação, como cadinho, lixas, feltros etc.” (STF, Primeira Turma, RE 79.601 RS, DJ 8-1-75, relator: Ministro Aliomar Baleeiro).

Elemento essencial do conceito é a relação do material com o processo produtivo. Este aspecto foi enfatizado pelo Superior Tribunal de Justiça ao conceituar os produtos de uso intermediário como “insumos que, apesar de integrarem o processo de industrialização, não integram o produto final, tampouco são consumidos de forma imediata e integral” (STJ, Primeira Turma, AgRg no REsp 139.996 SP, DJ 12-8-2002, p. 166).
Assim, ainda que não integrem o produto final os insumos aplicados no processo produtivo compõem o conceito de custo de produção.

 

CONCEITO DE CUSTO DE PRODUÇÃO E A LEGISLAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA

De acordo com legislação do Imposto de Renda, o custo de produção é composto pela soma dos custos de aquisição de matérias-primas, material secundário, mão-de-obra, embalagem, frete, manutenção, depreciação e outros custos, conforme se depreende da leitura dos artigos do Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3.000/99, transcritos abaixo:

“Decreto nº 3.000, de 26/03/99:

Custo de Produção

Art. 290. O custo de produção dos bens ou serviços vendidos compreenderá, obrigatoriamente (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 13, § 1º):

I – o custo de aquisição de matérias-primas e quaisquer outros bens ou serviços aplicados ou consumidos na produção, observado o disposto no artigo anterior;
II – o custo do pessoal aplicado na produção, inclusive de supervisão direta, manutenção e guarda das instalações de produção;
III – os custos de locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação dos bens aplicados na produção;
IV – os encargos de amortização diretamente relacionados com a produção;
V – os encargos de exaustão dos recursos naturais utilizados na produção.”

“Quebras e Perdas

Art. 291. Integrará também o custo o valor (Lei nº 4.506, de 1964, art. 46, incisos V e VI):

I – das quebras e perdas razoáveis, de acordo com a natureza do bem e da atividade, ocorridas na fabricação, no transporte e manuseio;

II – das quebras ou perdas de estoque por deterioração, obsolescência ou pela ocorrência de riscos não cobertos por seguros, desde que comprovadas:

a) por laudo ou certificado de autoridade sanitária ou de segurança, que especifique e identifique as quantidades destruídas ou inutilizadas e as razões da providência;
b) por certificado de autoridade competente, nos casos de incêndios, inundações ou outros eventos semelhantes;
c) mediante laudo de autoridade fiscal chamada a certificar a destruição de bens obsoletos, invendáveis ou danificados, quando não houver valor residual apurável.”

 

CUSTO DOS BENS OU SERVIÇOS

O artigo 182 do Regulamento do Imposto de Renda/80 estabelece como será determinado o custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas no processo de transformação:

“Art. 182. O custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o Livro de Inventário, no fim do período (Decreto-lei nº 1.598/77, art. 14)”.

 

“DEPRECIAÇÃO, AMORTIZAÇÃO E EXAUSTÃO.

A dedutibilidade da depreciação de bens do ativo é determinada pelo artigo 198 que assim dispõe:

“Art. 198. Poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada exercício, a importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, ação da natureza e obsolescência normal (Lei nº 4.506/64, art. 57).”

Portanto, vê-se que a legislação do IR está em conformidade com o conceito econômico de custo de produção.

É o que deve prevalecer em todas as legislações não podendo admitir-se a mudança do conceito de custo de produção para fins de aumento da arrecadação do Estado. A composição do custo de produção está atrelado à capacidade econômica do contribuinte, princípio constitucional que é direito subjetivo público do contribuinte e limitador do poder de tributar do Estado.

 

APURAÇÃO DO CUSTO DE PRODUÇÃO

Para a composição da base de cálculo do ICMS para transferências a outros Estados da federação, segundo interpretação restrita da Lei Complementar 87/96, só poderão ser computados os valores referentes aos custos da matéria-prima, do material secundário, da mão-de-obra e do acondicionamento.

No entanto, segundo o conceito econômico para a apuração dos custos de produção num processo produtivo complexo como o da Impugnante, é necessário obter a cada fase deste processo todos os respectivos custos fixos e variáveis, até a distribuição produto final.

Com isso, por exemplo, a ração, da Fábrica de Rações, quando transferida para a área de Produção Agropecuária (a qual coordena a produção animal) para a alimentação dos animais, levará consigo todos os custos de sua produção, inclusive os gastos com frete, depreciação, manutenção, e outros gastos fixos.

O mesmo ocorre com os animais quando são transferidos para o Frigorífico. Para o abatedouro, serão computados para apuração de seu custo de produção todos os gastos para sua realização, incluídos dentre estes aqueles com frete, depreciação, manutenção, etc.

Isto posto, conclui-se que o Art.13 da Lei Complementar n. 87 não pode ser interpretado de forma restritiva quanto ao custo da mercadoria ou de produção para alargar a base de cálculo do ICMS, pois além de ofender diversos diplomas legais como a legislação do Imposto sobre a renda estará ofendendo a Constituição Federal, no sentido da não–cumulatividade do ICMS.

Elaborado em 02 de setembro de 2013.
Cristina Zanello

Advogada e Mestre em Direito Negocial

 

Deixe um comentário