2017-1

A falta de compreensão do alcance jurídico de uma cláusula penal num contrato de compra e venda pode tornar inválido o ajuste, principalmente se o consumidor, a parte mais fraca da relação, tem pouca instrução. O fundamento levou a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a acolher pedido de rescisão de contrato de compra e venda entre um consumidor e um fabricante de casas de madeira de Bagé. Com a decisão, a empresa foi condenada a devolver ao autor o valor integral do contrato rescindido, liberando-o da multa, mais o pagamento de R$ 5 mil, a título de reparação pelos danos morais.

Pouca instrução de comprador gerou presunção de hipossuficiência.

Conforme o processo, o autor desistiu da compra porque, além de receber a casa com atraso, se sentiu enganado pelo fabricante. É que no contrato foram inseridas cláusulas que não refletiram sua “real expectativa”. Em contestação, a ré negou atraso ou descumprimento de contrato. Alegou que o autor desistiu do negócio depois saber que seu filho não iria mais morar na casa que seria construída no seu terreno, já que estaria de mudança para outra cidade. Neste caso, concordou em devolver o valor pago, descontados os 15%, como estipulado no contrato. Afinal, foi o comprador quem deu causa à ruptura contratual.

Na origem, o juiz Max Akira Senda de Brito, da 3ª Vara Cível daquela comarca, julgou a ação rescisória improcedente, pois não encontrou nenhuma prova de que o autor tenha sido induzido a erro, sofrido coação ou mesmo havido atraso na entrega do material. “Além do mais, o autor em seu depoimento pessoal reconheceu a sua assinatura no contrato e os termos ali explicitados, alegando que somente depois viu que os mesmo não estavam conforme haviam sido supostamente pactuados. Ainda, registre-se que sua condição de analfabeto não foi comprovada nos autos, já que tal indicação não há sequer em seu registro geral”, escreveu na sentença.

Falta de consciência
A relatora da Apelação na corte, desembargadora Ana Lúcia Rebout, afirmou no acórdão que o fato de o autor ter pouca instrução (mal sabe ler e escrever) e ser idoso, gerando presunção de hipossuficiência frente ao vendedor, inverte o ônus da prova. A possibilidade está prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990). Para a magistrada, um “homem de instrução limitada”, diante da complexidade e alcance da cláusula penal (multa de 15%  sobre o valor total do contrato em caso de desistência), pode incorrer em erro, viciando o contrato.

“Trata-se do erro (seria o error in ipso corpore rei), justificado, na situação em liça, pelo fato de que o autor, ao firmar e pagar à vista pela avença [sendo pouco relevante que estivesse acompanhado pelo seu filho na assinatura do pacto, ou não, pois, da mesma forma, adotando-se como paradigma o homem médio, àquele também faleceria, muito provavelmente, a compreensão plena do que significava a desistência em termos de reflexos jurídicos (cláusula penal)], não tinha a compreensão plena, estreme de dúvidas, da consequência pecuniária do arrependimento previsto no contrato”, anotou no voto.

A desembargadora-relatora observou, também, que o contrato foi assinado em 9 de maio de 2014, sexta-feira, e o autor desistiu do negócio no dia 12 de maio, segunda-feira — ou seja, entre aceitação e desistência não decorreu nenhum dia útil. Para ela, ficou claro que o autor ponderou sobre o negócio no fim de semana. Assim, a cláusula penal — aplicada após a assinatura do contrato — favorece em demasia a empresa. Apenas como exemplo, afirmou que, na França, o comprador de imóvel tem o prazo de até 14 dias para desistir do negócio, sem penalidade.

“Quanto aos danos morais, no caso concreto, decorrem in re ipsa [presunção de dano à dignidade], pois não se cuida de simples desacerto contratual de valores, mas de situação em que a parte oposta tentou, de todas as formas, subjugar e impor ao autor, pessoa indubitavelmente de poucas luzes, cláusula de todo abusiva e leonina, ainda que prevista contratualmente; destarte, a hipótese é deflagradora do dano extrapatrimonial indenizável”, finalizou. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 13 de dezembro.

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Fonte: Conjur

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